A fachada
do bar não tinha nada de espantoso: a mesma aparência desgraçada e
mal cheirosa como qualquer outra. Porém, este antro de perdição
tinha um aspecto em especial. Não, não me refiro a meninas de corpo
esbelto e sem celulite. Muito menos a um atendimento de primeira, com
direito a copos limpos e um garçom disponível apenas para você que
faz acrobacias com motosserras enquanto serve a bebida. NÃO! Eram os
clientes, não o bar, que o fazia diferente dos demais.
Fundado
juntamente com a cidade, o bar era palco para os poucos
frequentadores reunirem-se afim de contar vantagem, confessarem
tristezas e descolarem algum par. Ali eram destrinchados segredos
movidos a base de álcool; mas se engana quem pensa que se tratava da
mesmíssima bebida devoradora de fígado servida nos lugares comuns,
aqui, os drinques tinha um leve sabor de sangue.
Pelo
menos uma vez na semana, Gadinho ia afogar as mágoas no bar, cujo
nome estampado acima da entrada denominava-o simplesmente de "BAR"
(pintado de maneira rude e praticamente descolorado).
A porta
de entrada era uma bocarra aberta, que era cerrada durante o dia por
um enferrujado portão enrugado, preso no chão por um enorme
cadeado. Ninguém sabia quem era o verdadeiro dono, apesar de
especularem que Olho-Trocado, um sujeito mal encarado, cujos pelos no
nariz interligavam-se aos do bigode ensebado, era um possível
candidato, simplesmente por estar lá todos os dias atrás do balcão
de madeira atendendo, insatisfeito, os velhos clientes.
Poucas
mesas eram dispostas estrategicamente rente às paredes (cheias de
marcas gordurosas de digitais); de vez em quando, viam-se algumas
também expostas do lado de fora.
Gadinho
não tinha dia certo para visitar o lugar, mas coincidiu dele
aparecer justamente na "quinta espetacular", em que as
prostitutas obrigavam seus clientes-alvo a pagar "apenas"
duas rodadas de cerveja rubra, sem incluir o programa, que neste dia
era 75% do preço de mercado.
Contudo,
Gadinho não atentava para promoções, pois ele estava com sede.
Aproximando-se
devagar do balcão, sem atrair a atenção para si, ele pede um "olho
vermelho" (uma mistura de sangue caprino e bovino com um leve
toque de canela). Olho-Trocado fitava dois lugares ao mesmo tempo (e
nenhum era para onde Gadinho estava) quando o pedido foi feito, e
atendeu-o relutante (dizia-se que o mal humor era charme do possível
dono do Bar, sua marca registrada - quem não gostasse que fosse
procurar outro lugar, e ele duvidava que você encontrasse).
Gadinho
focou no líquido rubro que preenchia o pequeno copo na qual era
servido e o sorveu de uma só vez. A sensação de amargor e
efervescência que percorreu o sistema digestivo logo deu lugar à
leveza quando o efeito atingiu o cérebro. Ele depositava o copinho
no balcão quando Olho-Trocado falou:
"Ainda
com essa bebida de fresco!"
Gadinho
não se sentiu ofendido, pois estava acostumado àquele tratamento.
Todos que ele conhecia (até alguns desconhecidos) zoavam dele por
não beber sangue humano. Ele já tinha mais de 200 anos e não
sentia a necessidade deste tipo específico de bebida, apesar da
grande maioria achar necessária a mudança, ainda mais se levar em
consideração que ele era um vampiro, e desde o dia em que foi
amaldiçoado ele tinha que chupar sangue para poder manter-se vivo,
principalmente o humano (que tinha um gosto suave e adocicado,
dependendo da vítima).
O "jovem"
ignorou, como era de seu feitio, as considerações inoportunas do
estrábico barman e pediu mais uma rodada. Entretanto, a relutância
pacífica de Olho-Trocado deu lugar a uma inexplicável cólera. O
motivo de seu repentino ódio é explicado quando ele fala:
"Chega
de tua frescura! Hoje tu vai tomar uma bebida de verdade!"
Todos que
estavam ali primeiramente observaram atônitos o comportamento do
barman, mas concordaram com a resolução tomada por ele e correram
em direção a um amedrontado Gadinho, a fim de segurá-lo.
Pego por
diversas pessoas, Gadinho se desespera e tenta desvencilhar-se, mas
em vão.
Olho-Trocado
enche o copo com "hemoglô", safra de 1974 (cem por cento
humana, sem aditivos - ou seja, gorduras – mas com uma leve
essência de maconha). Com um sorriso maléfico, de caninos afiados à
mostra, ele aproxima-se lentamente de Gadinho que, resignado, relaxa
o corpo.
Mas
quando tudo parecia perdido, Gadinho recorda-se que é uma merda de
um vampiro! E, com esperanças renovadas, ele transforma-se num
morcego e consegue fugir sem pagar.
Quando
estava distante do perigo, ele pousou no alto de um duplex e voltou à
forma original. Com o peito arfando, ele senta na beirada e fala para
si: "Essa foi por pouco". E deixa aquele incômodo episódio
desvanecer-se de sua mente. Contudo, um pequeno detalhe atinge-lhe a
cabeça tal qual uma pedra: onde diabos ele iria beber agora?
Recife, 24
de maio de 2012.
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