Sinto uma
dormência por todo o corpo, mas uma pressão desconfortável
circunda meu tórax. Antes que possa abrir meus olhos, percebo que
estou pendurado. O frio gélido queima a parte do meu rosto que está
descoberto. Trajo uma felpuda vestimenta de alpinismo e a corda à
minha frente executa uma dança vibratória de tensão.
Tenho a
péssima ideia de fitar o abismo abaixo de mim. Recolho-me em minha
insignificância e aperto ambas as mãos na corda salvadora,
desesperadamente tentando apoiar os pés na costa íngreme. Acima,
consigo discernir duas ou três pessoas que, diferentes de mim, sabem
o que estão fazendo neste lugar e, pelas suas expressões
consternadas, torciam para que eu não derrubasse a todos.
Assim que
pude me tranquilizar, um deles chama um nome. Eu não o reconheço,
pois "Michael" nada significa para mim. Contudo, era o meu
nome. Eu tento dizer a ele que não sou quem ele pensa, que não
sabia por que raios eu estava naquela situação e que nada sabia
sobre alpinismo. Pelo seu rosto, dava para perceber que ele não
entendera absolutamente nada do que eu dissera. Também, uma ventania
castigava-nos, dificultando a comunicação. Disso, respiro fundo e
aguardo eles me indicarem uma solução para o problema. Com a
adrenalina a mil, tento manter a atenção neles, nos movimentos
deles.
"Não
há razão para desespero", tentava me convencer, sem sucesso.
Como alguém poderia manter a calma na calamitosa vicissitude daquele
instante? Entretanto, ainda assim, eu procurei ocupar minha mente com
as inúmeras imperfeições rochosas: seus sulcos, suas
protuberâncias, sua majestosa presença. Tentei lembrar-me de mim;
desvendar os mistérios que me fizeram cair aqui. Eu sabia que não
era Michael, mas eu não me lembrava de quem eu realmente era. Surgi
carregado de informações, menos o que mais importava: eu! Só
restava agora sair daqui.
Minha
apatia deixou os outros integrantes da expedição nervosos. Eles
gritaram, questionando-se o porquê da minha imobilidade. Para eles,
eu deveria saber o que era necessário para que prosseguíssemos com
segurança. E em vão tentei explicá-los que eu não sabia.
Então, o
destino quisera dar um basta naquilo. A poucos metros acima de mim, a
corda, talvez devido à fricção com a saliência afiada do pico ou
a qualquer fato alheio a mim, entrou em processo de desestruturação;
serrilhando vagarosamente à princípio, ela foi se desgastando
célere à medida que as delgadas camadas iam perdendo a consistência
e, como uma planta crescendo, foi se ramificando, deixando poucas
cordas internas ligarem-se ao arranjo original. Cada estalo era
seguido de um balançar nervoso. Sentia febre apesar do frio. Meu
coração estava disparado. Seria o meu fim?
O mundo,
de súbito, aquietou-se, premeditando o acontecimento. Ao meu redor,
as coisas de repente pareciam seguir em câmera lenta. Por fim, senti
a gravidade me puxando. E enquanto sentia a onda gelada
recepcionando-me, tentei agarrar-me aos últimos resquícios de vida
que me restava, mas a enorme parede ao meu lado não se permitia ser
tocada...